Foi-se o tempo em que eu chutava a barriga da minha mãe numa
doce ferocidade, a da ansiedade para ver o mundo que naquele momento me
esperava; em que eu sobrevivia por intermédio do cordão umbilical e dos meus
pais que tomavam os cuidados necessários durante a gravidez. Foi-se o tempo em
que os mimos se concentravam em meu ser frágil, pequeno, puro; em que os braços
se abriam para segurar-me, e os adultos brincavam fazendo caretas aguardando um
leve riso, quando muitas vezes eu me sentia assustado, e chorava às alturas. Foi-se
a época em que eu começava a falar e a dar meus primeiros passos, tocando
objetos, rostos e corações entusiasmados. Foi-se o tempo em que passava minhas mãos
sujas de areia ou lama nas roupas brancas lavadas com amor; e traquinava por
todos os cantos, tirando as coisas do lugar, brigando com qualquer outra
criança que se tornasse uma ameaça à atenção que os outros tinham em mim,
querendo atravessar a rua só, correndo sem destino. Foi-se o tempo em que os brinquedos me
chamavam atenção, em que a bola, os carrinhos e as miniaturas me agradavam; em
que dava crença em duendes e outras fantasias. Já passou a época em que eu chorava por não querer
ir à escola e quando chegava bagunçava a sala de aula com os outros colegas; ou
quando eu me divertia usando máscaras nas brincadeiras de Carnaval. Há tempos
não sei o que é ganhar ovos de chocolate na Páscoa, nem pintar a ponta do nariz
de vermelho; não sei o que é passar as noites de São João soltando “traques” na
calçada da casa da minha avó paterna, e nem ganhar presentes de pessoas
vestidas do Papai Noel nos festejos natalinos. Foi-se o tempo em que caçoava na
rua com moleques que se uniam em bandos para brincar de se esconder. Foi-se o
tempo em que tive minha primeira ejaculação, quando a gente pensa que está
urinando na cama e não sabe ao certo o que significa aquele líquido. Foi-se o
tempo das paixões utópicas de menino querendo ser adulto, galanteando os afetos
nos corredores da escola e fazendo bilhetes inocentes para trancar nas gavetas,
mantendo amores platônicos. Foi-se o tempo em que estudar Sistema Reprodutor
nas aulas de Biologia acalorava os alunos, que não sabiam bem como lidar com o
assunto, inclusive eu. Foi-se o tempo do medo de fazer novas amizades, da
rejeição, da extrema timidez, das primeiras espinhas (acne). Foi-se o tempo em
que tomei a primeira cerveja, com medo de me tornar alcoólatra. Foi-se o tempo
em que me apegava a coisas infantis e a ingenuidade me cegava por completo. Foi-se
o tempo de chegar em casa cedo... Eu cresci, experimentei o cigarro, o álcool,
passando a utilizá-los na tentativa de esquecer as frustrações. Conheci a
falsidade, o medo, a insegurança, a ansiedade. Vivi a depressão. Passei a
perceber o quanto o ser humano é mal, e utiliza a sua língua na tentativa de
matar ao próximo. Entrei na universidade. Transei, senti o prazer de encostar
meu corpo em outro, despido. Estudei o necessário. Me formei, obtive profissão
e êxito. Ganhei dinheiro, acompanhado de problemas e contas a pagar. Frequentei
grandes festas. Me casei. Engordei. Envelheci. Faleci e não me lembro com que
idade, mas tenho certeza que eu poderia ter vivido muito mais, ter
lido mais, ter tomado mais banhos de chuva, contemplado mais o sol, a lua, as
árvores e ter sido mais livre. Hoje, daqui de
outra dimensão, imperceptível aos olhos tridimensionais, eu sei que o tempo
da Terra corre bem mais rápido do que quando eu corria sem rumo na infância; que os
seres necessitam vivenciar o significado do amor; que dizer “Bom dia” nos traz
disposição para viver; que é preciso consagrar cada milésimo de segundo; que
ter respeito até por quem não tem é um gesto honrado; que as quedas são provações
para que o erguimento seja mais forte; que nada feito por nós é, em si, perfeito,
mas que pode ser bonito e útil; que a intenção prospera sempre; e que a vida...
Ah... A vida renascerá amanhã, através de mais uma criança que iluminará o mundo, e talvez,
faça tudo aquilo que eu não fiz enquanto eu estava vivo.
Elon Barbosa.
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